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A calça do avesso

Existem histórias que acontecem em nossas viagens e nos fazem ver o mundo de outra forma, uma delas aconteceu numa pequena cidade do norte do Paraná, Carlópolis.




Na virada de ano de 2001 para 2002, eu e meu primo Maikhon, embarcamos para esta cidade que fica às margens da represa da hidrelétrica de Chavantes. Rapidamente me apaixonei pelo lugar. Fiquei hospedado na casa dos meus amigos Betinho e Zé Preto, por quase um mês. Lá, fiz muitas amizades e um delas em especial, o Robson.


Neste período, o Robson estava com a gente para cima e para baixo, nas festas, pelas ruas, dividíamos o almoço, a janta, os lanches, ele estava sempre sorrindo, brincando, dançando, fazendo palhaçada, contando piada, feliz. A nossa amizade parecia que era tão antiga, não nos separávamos por nada, passávamos horas sentados no banco da praça, jogando conversa fora.


Em uma noite de sábado, combinamos de nos encontrar para irmos ao rodeio que acontecia na cidade de Santo Antônio da Platina. Quando chegamos, encontramos o Robson com a calça do avesso. Não teve jeito, a zoeira foi inevitável, e a resposta dele, em meio a tanta brincadeira, foi que ele tinha estilo. Deu risada, como se não estivesse se importando com a brincadeira. Todos nós caímos na gargalhada juntos e fomos caminhando para o ônibus que nos levaria ao rodeio.


No caminho, o Robson não parava, como sempre nos alegrando, mas de repente ele disse que tinha esquecido a carteira. Achamos que ele estava aplicando um golpe, porém nem nos importamos, pois a presença dele era tão agradável que, naquele momento, o dinheiro era o que menos importava. Pagamos a passagem dele e nos viramos no rodeio.


O tempo passou e a nossa viagem pela cidade estava terminando, fomos embora e nos despedimos do Robson na rodoviária, levando para casa a imagem alegre, de um cara de bem com a vida e extrovertido.


Um certo dia retornamos à cidade para irmos ao Baile do Café e lá estava o Robson, esperando a gente, ansioso na rodoviária. Logo que chegamos fomos para o baile, curtimos muito juntos e ele com alegria e o carisma de sempre. Mas no dia seguinte, um domingo de páscoa, quando estávamos sentados na praça, ouvindo a missa, descobrimos o lado que o Robson não queria deixar transparecer e, muitas vezes, escondia atrás daquela alegria. O padre começou a homenagear as mães; e de repente o Robson começou a chorar, ficamos sem saber o que fazer, achamos que era brincadeira, e começamos a perguntar o que ocorreu para ele se sentir assim. Ele começou a desabafar e disse que não tinha mãe, nem pai, e que morava com a avó e ela estava doente.


Continuou dizendo que todos os dias ia almoçar com a gente, pois não tinha o que comer em casa e usava a calça do avesso porque só tinha uma. No sábado usava a calça do lado certo, no outro, usava do avesso, para ninguém perceber que só tinha aquela. Ao ouvir ele falando, comecei a pensar na minha mochila cheia de roupas. Eu achava que não tinha nada, estava sempre querendo mais uma calça, mais uma camisa ou um tênis de marca.


Depois de ouvir o seu relato, deixamos algumas roupas com ele e ajudamos naquilo que podíamos. Mais uma vez nos despedimos e voltamos para São Paulo.


Retornamos novamente em 2004, eu e quatro amigos. Chegamos na cidade de madrugada e quem encontramos andando na rua, o Robson. Paramos o carro e fomos dar um abraço nele. Como a pousada estava fechada, ele ofereceu sua casa para dormirmos. Quando acordamos no outro dia, a mesa do café da manhã já estava montada, com pão e café. Ele um pouco envergonhado, disse que só tinha aquilo para oferecer e para não repararmos.


Aquela atitude me chamou a atenção. Mesmo com toda sua dificuldade, ele foi generoso, nos tratou bem e dividiu o pouco que tinha conosco. Desta vez, passamos apenas dois dias na cidade e voltamos para São Paulo. Demorei para assimilar tudo aquilo que tinha vivenciado, mas depois de um tempo, consegui me colocar no lugar do Robson e comecei a repensar muitas coisas na minha vida.


Hoje, procuro ter só o que preciso, pois aprendi que não preciso de muito para ser feliz. Tenho poucas roupas em meu guarda-roupa, só aquelas que mais me agradam e necessito.


Infelizmente, não tenho mais o contato do Robson, espero que esteja bem. Aprendi com ele que viajar é uma sala de aula, porém a céu aberto!



ALEX FREITAS


Criador, produtor de conteúdo e administrador do portal Mochilão Pé na Estrada. Um viajante nato, amante da fotografia, está sempre em busca do desconhecido e de um contato mais próximo com a cultura de cada lugar.


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