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Rio de Janeiro: tenso, enigmático e maravilhoso

O Rio de Janeiro é um destino cobiçado por turistas brasileiros e estrangeiros, e não é à toa, pois a cidade, apesar de todos os problemas, é realmente maravilhosa. O seu clima, suas paisagens, suas praias e seu relevo nos remetem a pensar que a sua geografia foi uma obra divina. Entretanto, já faz um bom tempo que ação do homem e os problemas sociais do local mancham a beleza do Rio.


Um lugar charmoso, musical, surpreendente, cheio de cores e encantos, que vive em contraste com a ganância e corrupção de poderosos. O povo carioca é o mais afetado com tudo isso, cidadãos que há tempos estão na linha do tiro, enfrentando o medo e a insegurança, mas ao mesmo tempo, batalhando por uma cidade melhor.


Sempre ouvi muitas coisas ruins sobre o Rio e, principalmente, sobre o povo carioca. Aquele velho preconceito que o carioca não gosta de trabalhar, são malandros, não gostam de paulista, etc. Nada disso é verdade, pelo menos foi essa a minha impressão. Já fui oito vezes ao Rio de Janeiro, sempre fui bem tratado, fiz amigos e, ao contrário do que dizem os bordões, não vi essa rivalidade com quem é de São Paulo, a não ser no futebol. Tive o prazer de conhecer esse povo de perto e vivenciar a realidade deles, me aproximei de pessoas trabalhadoras, honestas e que ralam duro por trás das telas e holofotes para manter a cidade linda e funcionando. O que se vê pessoalmente é muito diferente do que mídia vende, em todos os aspectos.


O desejo de conhecer a cidade maravilhosa vem desde pequeno, mas confesso que sempre tive medo, algo muito comum para quem nunca visitou o lugar. Os noticiários, que sempre dão ênfase para a violência que existe no local, deixam qualquer um com receio. Desta forma, eu fui adiando a minha ida, recusando o convite de amigos que viviam me dizendo: “você vai amar o Rio, quando você for a primeira vez, vai querer voltar sempre”. Depois de tanta insistência, acabei aceitando o convite e descobri que eles tinham razão, voltei diversas vezes ao lugar.


Quando fui comprar a passagem pela primeira vez, uma mistura de sentimentos tomavam conta de mim: por um lado o medo, por outro uma ansiedade positiva para conhecer um lugar que me parecia mágico. Muitas interrogações vinham à minha cabeça, eu pensava se aquele lugar era igual ao que eu via na TV. Imaginava pessoas com fuzis circulando pelas ruas, tiroteios por toda parte, assaltos e arrastões, tudo isso em contraste com aquele cenário que é cartão postal da cidade.


Esses “delírios” fixaram na minha mente, mas não me impediram de ir e também foram importantes, pois o medo te mantém alerta. Você começa a prever as situações de risco, sendo obrigado a se planejar da melhor forma, uma vez que o território é desconhecido.


Para ilustrar essa contradição que existe no local, escrevo abaixo, de forma aleatória, alguns episódios das oito viagens que fiz ao Rio de Janeiro.




A primeira vez no Rio: 48 horas para curtir a Cidade Maravilhosa

Esta foi a primeira vez que fui ao Rio de Janeiro, e até aquele momento eu ainda não conhecia meus amigos cariocas pessoalmente, mas assim que os conheci pude relaxar. A primeira impressão do povo carioca foi muito boa. Ao contrário do que eu imaginava, as pessoas me pareceram muito receptivas e contagiantes. A partir desse momento, minha imagem sobre o Rio começou a mudar. Logo fui me enturmando e o medo foi ficando oculto, dando lugar a euforia e a vontade de conhecer tudo que a cidade maravilhosa tinha a oferecer.


Seriam apenas 48 horas para curtir essa cidade, incluindo apenas 8 horas de sono nestes dois dias, mas aproveitei muito. Conheci a Lapa e seu tradicional samba de roda que acontece toda sexta-feira; o Circo Voador; a Escadaria de Selarón; o Palácio da Guanabara; o Estádio do Fluminense (bairro das Laranjeiras); a Lagoa Rodrigo de Freitas; o Shopping Botafogo; as praias de Botafogo, Ipanema, Copacabana e o Arpoador.


É claro que meu contato com o Rio ainda foi muito superficial, mas como todos dizem, a primeira impressão é a que fica, e esta impressão foi muito boa, consegui quebrar o preconceito que tinha do lugar. Vi e vivenciei a cidade do calor que não deixa ninguém em casa à noite, dos bares e botecos lotados, da cerveja gelada, do samba e da poesia.


Fui embora pensando quando iria retornar, precisava conhecer muito mais. Ainda faltava conhecer muita coisa, como a Barra da Tijuca e o bairro de Santa Tereza.


Bem-vindo à Babilônia


Na minha segunda viagem, fui convidado para uma festa. Era uma festa na laje, e assim que cheguei um amigo me disse: “bem-vindo à Babilônia, aqui você vai ver coisas que jamais imaginou ter visto, verá de tudo, prostituição, drogas, muito dinheiro e muita pobreza”.


Naquele momento, não tinha a dimensão exata do que ele estava dizendo, mas ao final de todas as minhas experiências no Rio de Janeiro, consegui também estabelecer esta analogia. Isso será explicado ao final desta matéria.


Perdido em Copacabana, sem documento, dinheiro e celular


Calma, não é o que está pensando, não fui assaltado e nem vítima de um sequestro. Estava ainda na minha segunda viagem pela cidade maravilhosa, realizando um sonho, passar o meu primeiro réveillon em Copacabana. Logo após a queima de fogos, acabei me perdendo dos meus amigos. Fui tirar uma foto perto do mar e quando olhei para trás não vi mais ninguém, só um monte de gente de branco. Foi aí que me dei conta que estava perdido em Copacabana, sem dinheiro, sem documento e sem celular. Para piorar a situação não lembrava o número de ninguém de cor. Antes de me perder deles, deixei meus pertences com um amigo por precaução.


Sentei por alguns minutos, estava com a esperança que eles me encontrassem, mas nada disso aconteceu. Depois de ficar um bom tempo esperando, resolvi procurá-los pela orla no meio de milhões de pessoas. Era como achar uma agulha no palheiro. Fui caminhando até as proximidades do palco, lá encontrei um policial e pedi ajuda. Expliquei o que tinha acontecido e perguntei se ele poderia anunciar o meu nome, ele respondeu que não. Então perguntei como faria para chegar no bairro das Laranjeiras a pé e ele disse: "você está louco, é muito longe, além de ser perigoso".


É incrível como o bombardeio de informações negativas deste lugar te deixa em choque, e dessa vez o medo que estava oculto, voltou. Depois de ouvir o policial, bateu um desespero, mas a única opção que tinha era voltar para o apartamento e esperar eles lá, mesmo sendo perigoso. Refleti mais um pouco, respirei fundo e comecei a pensar em outras alternativas. Depois de tanto pensar, lembrei que um amigo de São Paulo sabia o número de um dos amigos que estavam na cidade comigo, procurei um orelhão e liguei a cobrar, mas ele não estava em casa.

Minhas alternativas tinham esgotado, então pensei comigo mesmo: “vou deixar o medo de lado e curtir a minha virada de ano sozinho, não vou deixar isso estragar meu sonho, a minha noite, se tiver que encontrar eles, vou encontrar”. Sentei no calçadão novamente, tentando criar coragem, quando ouço uns gritos: “caraca moleque, estamos procurando você faz uma hora, aonde você estava?”.


Acontecimentos como este são realmente inusitados, pois depois que parei de procurá-los, fui encontrado. Então, fomos curtir até o dia amanhecer. Passei muitas noites sonhando com esse momento, vendo a queima de fogos apenas pela televisão. Ao avistar os prédios iluminados na orla, os barcos cheios de luz formando um paredão no mar, aquela multidão na areia e o clima contagiante, foi inevitável segurar o choro, ajoelhei e beijei o chão de Copacabana. Agradeci ao meu Deus por ter me proporcionado a oportunidade de ver o mundo além da quebrada onde eu morava. Para muita gente isso pode parecer bobagem, mas para quem nunca teve nada, cresceu em um beco com vinte e duas casas, torcia para que água do córrego não invadisse sua casa e que sempre escutou que viajar era coisa de rico, realizar esse sonho foi algo grandioso e inesquecível, uma experiência única. O que meus olhos presenciaram naquele dia, minha mente jamais vai esquecer. Eu vi um dos maiores espetáculos pirotécnicos do mundo.


Acredito que não existe sonho pequeno ou grande, sonho é sonho e independente do tamanho, quando queremos, não medimos esforços para realizá-los.



Na Linha do Tiro


As duas viagens que fiz ao Rio tiveram momentos de tensão, mas no geral correram bem. Na terceira vez, eu já estava com uma sensação que tinha perdido o medo, mas é aí que mora o perigo. Quando esse sentimento cai no esquecimento, a confiança aumenta e você já se acha um morador local, o dono do pedaço, começa a aceitar convites, ir para os lugares sozinho e andar pelas ruas de madrugada, tranquilo e despreocupado. Isso faz com que você fique mais vulnerável a situações de riscos. Foi assim que quase entrei em uma fria.


Eu já tinha conhecido o glamour carioca, frequentado baladas, festas e os lugares mais nobres da cidade, mas faltava visitar as comunidades. Estava curioso para conhecer o modo de vida das pessoas que vivem lá. Aceitei sem nenhum receio o convite do meu amigo para ir ao Morro dos Prazeres e fomos para o lugar. Ao virarmos despreocupados em um beco, dois homens nos abordaram com fuzis, um deles colocou a mão no meu peito, me empurrou contra a parede, apontando a arma para o meu rosto e dizendo: “pensa que vai aonde parceiro, quem é tu?”.


Foram alguns segundos de pânico que pareciam uma eternidade. Estava paralisado, o medo que eu tinha agora era real. Nesse instante passou um filme na minha mente, fiquei pensando em várias situações que poderiam acontecer. Pensei na possibilidade deles nos matarem, comecei a imaginar os noticiários, meu corpo estava ali, mas minha cabeça estava longe. Só pensava na minha família, principalmente no meu irmão de quatro anos.


Vi meu amigo discutindo com os dois homens: “pô parceiro, vocês tão louco? O cara é meu irmão, vocês não me conhecem mais?”. Eles responderam: “a gente te conhece, mas não vimos você entrar no beco, só vimos ele”. Após a discussão, eles acabaram se entendendo e, felizmente, tudo deu certo, os homens armados liberaram nossa passagem, porém não tinha mais clima para entrar na comunidade, pelo menos neste dia.


Eu nunca tinha passado por algo assim na minha vida antes e para sair dessa situação foi necessário muito autocontrole, qualquer deslize, qualquer desespero a mais poderia ter custado nossas vidas.


Apesar desta situação desagradável, o desejo de conhecer a vida das pessoas nas comunidades ainda permanecia. Pensei que seria muito importante tirar da memória aquela impressão ruim que tive na primeira visita. Sendo assim, na primeira oportunidade que tive quando voltei à cidade, fui visitar outras comunidades, entre elas o complexo da Mangueira, onde fui no ensaio da escola de samba. Dessa vez, sem sustos.


Mais uma vez foi apenas um susto

Já estava a vinte e dois dias na estrada, conhecendo uma série de lugares. Tinha passado por diversas cidades em três estados: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O Rio de Janeiro seria o quarto estado e encerraríamos ali o nosso mochilão.


Já tinha vivido muitos momentos legais no Rio, mas dessa vez era especial, a minha esposa Bruna estava comigo. Para completar, eu tinha um novo desafio, ia ter que me virar sozinho, pois não estava mais em companhia dos meus amigos que moravam na cidade. Teria que colocar em prática aquilo que eu aprendi com eles e com as experiências que tive nas viagens anteriores.


Tudo estava dentro dos nossos planos e parecia tranquilo. Chegamos na rodoviária Novo Rio e o tempo estava bom. Planejamos passar três dias na cidade e o local que escolhemos para nos hospedar foi a Pousada-Hostel Bonita. Nós resolvemos não optar pelo serviço de traslado que a pousada oferecia e pegamos um táxi. No caminho, o taxista reativou novamente o botão do medo. Ele perguntou se eu sabia para onde estávamos indo, se eu tinha a informação que ficava perto do Morro do Pavão. Olhei para minha esposa e vi que ela estava em choque. O taxista complementou: “semana passada teve um tiroteio lá, jogaram uma granada. Vocês não viram na TV? Tem que tomar cuidado, pois esse pessoal de pousada coloca um endereço para vender e você chega lá, não é esse”.


Eu já estava ficando nervoso, é difícil não relembrar o que já havia acontecido anteriormente. Comecei a pensar em outra alternativa, mas quando chegamos ao local, percebemos que o motorista estava enganado. O estabelecimento realmente fica próximo à entrada da comunidade Pavão, mas são dois quarteirões de distância. Saíamos a noite sem problemas nenhum, não vimos nenhum movimento estranho e nenhuma ocorrência grave. Gostamos muito do atendimento e do lugar, voltaríamos tranquilamente. No mais, aproveitamos muito a cidade, consegui mostrar para a minha esposa as belezas da cidade maravilhosa.



Carro não é uma boa opção na cidade


Em algumas situações eu tive que andar de carro na cidade, e isso fez com que eu pensasse que o trânsito de São Paulo não é tão caótico. Encontrar um lugar para estacionar nas ruas cariocas é algo quase impossível. Por isso se locomover na cidade maravilhosa de carro não é uma boa opção, pensando nisso, tracei meu próprio roteiro e fui aos principais pontos turístico usando o transporte público. Para mim, o metrô é a melhor opção, pois te leva para muitos lugares, além de ser seguro.


Desta forma, fui ao Pão de Açúcar, conheci a linda praia vermelha na Urca, o Cristo Redentor, entre outros lugares. Foi uma experiência muito legal se locomover assim no Rio de Janeiro, pois além de economizar, tive um contato maior com o povo carioca.


Bate e volta para curtir mais um réveillon em Copacabana

O réveillon de Copacabana é o mais famoso do Brasil, e é considerado por muita gente um dos melhores do mundo. Para ver a queima de fogos a beira mar, algumas pessoas praticam loucuras. Eu passei três viradas de ano em Copacabana, 2008 para 2009, 2010 para 2011 e 2017 para 2018, sendo que esta última foi a mais desafiadora de todas e merece destaque. Eu, minha esposa e um amigo, também fizemos uma loucura para estar lá. Eles sonhavam e tinham curiosidade de conhecer essa grande festa, mas essa época do ano no Rio é complicada, pois tudo é muito caro. Além disso, é difícil achar vagas em hotéis e pousadas, tornando necessário agendar com bastante antecedência.


Diante das adversidades e dos poucos dias de folga que tínhamos, só nos restava uma alternativa, fazer um bate e volta. Esta viagem por mais que pareça insana, foi toda planejada. Coloquei em prática tudo que tinha aprendido com as experiências anteriores na cidade, já não tinha mais aquele medo, me sentia tranquilo. Conhecendo bem a cidade e seus perigos, planejei o roteiro e todos os riscos possíveis.


A princípio, íamos somente eu e minha esposa. Comprei as passagens pela internet, a ida para o dia 30 às 00:00, com previsão de chegada na rodoviária Novo Rio às 06:00 do dia 31, e a volta para o dia 01 às 06h45. Escolhi esse horário para chegar tranquilo na cidade. Cogitei a hipótese de alugar um carro, mas conversando com os amigos cariocas e relembrando as experiências anteriores, vi que não era uma boa ideia, pois seria cansativo.


No dia 29 fui na rodoviária do Tietê buscar as passagens, queria deixar tudo adiantado para evitar qualquer tipo de imprevisto. Quando cheguei em casa, meu vizinho e xará, Alex, me abordou e disse: “bora para Copacabana, eu sempre sonhei em passar a virada lá e pensei em você para viajarmos juntos”. Corremos para o computador e compramos a passagem dele. Eu o vi crescer, e um dia quando eu voltava de uma viagem ele me disse: “um dia vou viajar como você”. Fiquei feliz em saber que o meu amigo estava indo conosco, que ele confiava em mim e que eu iria contribuir para a realização de um sonho dele. Naquele momento senti que tinha plantando uma semente, que a mensagem que eu tentava passar para ele estava dando frutos, mas a minha responsabilidade aumentava, uma vez que eu teria que fazer o papel de guia dos dois.


Desembarcamos no Rio pela manhã, seguimos de VLT até a Estação Carioca. Aproveitamos o tempo que tínhamos e fomos conhecer alguns lugares, como a Escadaria Selarón e o restaurante Caneca Zero Grau. Chegamos em Copacabana por volta das 14:00 e fomos até um supermercado comprar uma caixa térmica, algumas comidas e bebidas. Seguimos até posto 6, um ponto estratégico e seguro, longe do tumulto do palco e com telões que permitem acompanhar a festa tranquilamente.


Na praia é comum ver famílias montando barracas, eles chegam cedo e vão escolhendo os melhores lugares. Muitos montam suas ceias ali e nós fizemos a mesma coisa, arrumamos nosso cantinho, curtimos um pouco a praia, tomamos um banho nas duchas, trocamos de roupa ali mesmo e ficamos pronto para nos despedir de 2017.


Tudo correu bem, pela terceira vez não presenciei nenhuma confusão, o clima era de paz, alegria e confraternização. Vi muitas famílias e crianças na areia, fizemos amizades com duas meninas cariocas que estavam ao nosso lado. A festa estava boa, com várias atrações como Cidade Negra e Frejat.


Após a queima de fogos, as pessoas vão deixando a orla e começam a se locomover em direção ao metrô, fazendo com que as estações fiquem lotadas. Pensando nisso, nós ficamos curtindo mais um pouco até 02:30 da madrugada.


A festa estava boa, mas já era hora de dizer um até logo à cidade maravilhosa. Nos despedimos das amigas que fizemos e fomos caminhando até o metrô Cantagalo. Chegando lá, ainda esperei mais um pouco até ver que o movimento tinha diminuído, só depois embarcarmos. Ao embarcar percebi que as catracas estavam livres e ninguém fiscalizando os bilhetes, ou seja, não usei o bilhete, perdemos tempo e dinheiro e fiquei sem entender porque não havia controle.


A minha única preocupação nesta viagem era a volta para a rodoviária, não queria ficar muito tempo rodando as ruas do Rio. Pegar táxi ali na região de Copacabana e Ipanema seria complicado, pois os taxis demoram a passar e as corridas costumam ser caríssimas. Para ir de ônibus teríamos quer ir até Ipanema ou Botafogo andando, e isso significa que estaríamos mais expostos. A minha estratégia era chegar o mais próximo possível da rodoviária, usando o metrô. Foi isso que fiz, fui até a estação Central do Brasil.


O trajeto até lá foi tranquilo, chegando na estação Central, fui tirar algumas dúvidas com um policial, perguntei como era lá em cima, na rua, ele me respondeu: “você sabe né, aqui é Rio de Janeiro”. Nesse momento olhei para minha esposa e para o Alex e percebi que eles estavam com medo, mas eu estava tranquilo. Seguimos até a saída, lá me deparei com uma viatura parada, perguntei para os policiais onde era o ponto do ônibus que vai para a rodoviária, ele me disse: “você tem que ir até a Av. Presidente Vargas e esperar lá, mas não te aconselho a ir, é perigoso”.


É nessa hora que você precisa colocar o instinto em prática, observei muitas pessoas com atitudes suspeitas ao redor da estação, algumas usando drogas. Além disso, veio um rapaz comunicar aos PMS que duas pessoas tinham roubado sua carteira. Eu estava atento a tudo que estava acontecendo ao nosso redor, traçando a melhor estratégia para aquele momento, detectei o perigo que estávamos correndo, chamei meu amigo e minha esposa e disse: “vamos ficar aqui e chamar um táxi”. Acenamos para um que virava a esquina, mas ele não parou. Percebi que estávamos em uma curva e eles não parariam, fomos um pouco a frente e acenamos novamente. Demos sorte, pois uma menina tinha pedido a corrida via aplicativo, e o taxista pensou que era a gente que tinha chamado. No meio desta pequena “confusão”, perguntamos para esta menina se podíamos dividir a corrida, ela aceitou. Ao embarcarmos, meu amigo disse: “cara, eu confesso que fiquei com medo, mas quando vi que você estava tranquilo e sabia o que estava fazendo, perdi o medo”.


Eu estava exausto, só relaxei quando entrei no veículo. Tinha finalizado a viagem e estava voltando para casa seguro. No trajeto, fiquei observando as ruas pelo vidro do carro, refletindo sobre tudo que vivi e aprendi nesta cidade. Eu tinha dado conta do recado, consegui guiá-los, além de passar adiante o que aprendi com todas as experiências anteriores. Estabeleci uma relação de pertencimento com o local.


Papo de botequim


Na minha terceira visita à cidade, fui em um bar luxuoso de Ipanema e encontrei umas amigas cariocas, ficamos ali tomando cerveja e perguntei a elas porque existe tanta diferença social no rio, tanta droga, essa guerra ao tráfico e violência fora do controle. A resposta delas foi a seguinte: “não é interessante para alta sociedade carioca urbanizar as comunidades, elas não têm interesse em acabar com o tráfico, a comunidade como ela é, é um mal necessário. A classe média alta não tem coragem de ir no morro buscar drogas, então eles fazem amizades com o pessoal de lá, que alimenta a gente nas festas glamorosas”.


Depois de ouvir esse relato, cheguei à conclusão que esse problema não é só de lá. Lembrei da minha infância e do lugar que eu morava, de quantos amigos perdi para o crime e para as drogas. Essa vivência que eu tive me fez entender na prática aquilo que eu tinha ouvido na segunda viagem: “bem-vindo à Babilônia”.


Presenciei várias situações do cotidiano, vi o glamour e tive a desagradável surpresa de ter o cano de uma arma apontado para minha cara. Conheci moradores das comunidades e artistas, convivi de perto com várias realidades. A cidade, de tantas praias e tantas belezas naturais, é também, considerada por muitos, a Babilônia. Um lugar onde se pode tudo ou quase tudo, pode se perder, fugir das regras e das rédeas.


Eu já tinha visto muita coisa, mas ainda queria saber o que faz esse lugar atrair tanta gente, mesmo com todos esses problemas. A resposta veio na mensagem de um colombiano que entrou em um ônibus, quando estava com a minha esposa na viagem que fiz com ela. Ele entrou cantando Cidade Maravilhosa em espanhol. Não pediu dinheiro, apenas contou sua história, disse que veio da Colômbia de carona e estava na cidade para realizar o sonho de ser artista, pois acreditava que ali era o berço de grandes artistas. Falou que estava se virando como dava, as vezes ganhava alguns trocados cantando, quando conseguia grana dormia em albergues, mas quando não dava, dormia na rua. O rapaz tinha uma alegria e uma voz bonita que acabou contagiando todo mundo. Dizia que temos que aproveitar a vida e pediu para curtimos a sua música, pois ele estava ali para nos trazer diversão. Os aplausos foram inevitáveis, muita gente ajudou o artista.


Naquele momento, ao relembrar o que vivi no Rio, incluindo as lágrimas do meu primeiro réveillon em Copacabana, entendi o que traz tanta gente para conhecer esse lugar. O Rio de Janeiro é poético, é artístico, para onde você olha é arte, é inspirador, é um sonho, é enigmático.


Rio de Janeiro, até breve!


Foto: Jef Telles


ALEX FREITAS


Criador, produtor de conteúdo e administrador do portal Mochilão Pé na Estrada. Um viajante nato, amante da fotografia, está sempre em busca do desconhecido e de um contato mais próximo com a cultura de cada lugar.


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