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Vivendo e renascendo em Salvador (BA)

Em 2012, passei por uma fase difícil e conturbada, tudo parecia desmoronar. O sentido da vida foi se perdendo em meio ao caos e a minha expectativa para o futuro estava indo pelo mesmo caminho. Durante esse período turbulento, o medo e os pensamentos negativos eram constantes, brotavam na minha mente.


No decorrer deste tempo perdi meu emprego e meu pai, que foi vítima de um câncer. Acompanhei todo o tratamento e estive sempre ao lado dele. Após a confirmação da doença, meu pai não se abalou, nunca tinha visto ele tão forte. Vê-lo lutando pela vida me deixava esperançoso, fortalecia a minha fé e da nossa família e nos deixava com aquela certeza de que venceríamos essa batalha juntos. Porém, apesar de muitas lutas frente a doença que o consumia, ele faleceu.


A dor da sua perda era insuportável, parecia que eu tinha levado um nocaute da vida, não conseguia compreender e nem superar a sua ausência. Foi um processo de luto dolorido, cheio de incertezas que duraram quase dois anos.


Superar tudo isso foi muito difícil e além da perda do meu pai, outro problema acontecia paralelamente. Eu trabalhei durante cinco anos em uma multinacional, tinha meus sonhos e objetivos, queria evoluir, subir de cargo e consegui. Com o passar dos anos fui promovido a supervisor de merchandising. Eu era elogiado e querido por todos, até o momento que o meu pai teve câncer. Depois de avisar meus superiores que precisaria cuidar dele, as pessoas começaram a virar as costas e fizeram de tudo para me eliminar da empresa.


A palavra eliminar tem um sentido pesado, mas foi assim que me senti, eliminado, descartado. Eu já não tinha mais vontade de trabalhar, não conseguia dormir, sentia vergonha das pessoas, e eu só precisava de um auxílio. Talvez fosse depressão, mas naquela época, isso era motivo de piada na empresa, corpo mole e frescura para os amigos. Passado um tempo, meu ciclo na empresa se encerrou.


Ter conseguido chegar a um cargo muito importante dentro da empresa fez eu querer procurar outro emprego com o mesmo status, mas isso não estava acontecendo e eu ficava frustrado.


Estava desanimado, só que eu não podia desistir, minha família e meu irmão mais novo precisavam de mim. Era um choque tudo aquilo, por vários dias fiquei pensando em alternativas para não cair em uma depressão, e a única forma de enfrentar era fazer aquilo que eu mais gostava.


Sempre tive vontade de morar perto do mar, pois, só de contemplar a sua vista, ele acalma a minha alma e me traz paz. A oportunidade de realizar esse desejo e recomeçar a minha vida surgiu em janeiro de 2013. Recebi o convite do meu amigo, Ricardo, para morar por um período de quatro meses na capital baiana. A partir daqui, começo a renascer para a vida.


Conhecendo a verdadeira raiz da cidade

Salvador é reconhecida por sua gastronomia, música, arquitetura e história, sendo considerada a primeira capital do Brasil. A terra da alegria, da folia, como é conhecida, também é cheia de problemas, assim como o Rio de Janeiro e outras metrópoles. A violência e a diferença social são pontos que esses lugares têm em comum, pelo menos foi essa a minha impressão. Veja: Rio de Janeiro: tenso enigmático e perigoso.



Subúrbio de Salvador

Na maioria das vezes, viajamos com a intenção de conhecer os principais atrativos de um lugar e voltamos para casa com um olhar superficial sobre tudo que vimos e vivemos, dificilmente prestamos atenção na rotina do povo local. No entanto, trabalhando e morando na cidade, mesmo que por poucos meses, pude conhecer melhor a essência de seus habitantes.


Já estive lá como turista antes, cinco vezes para ser mais exato. Pulei o carnaval, fui em todos os pontos turísticos, em todas as praias, frequentei a vida noturna que é bem animada. Porém, dessa vez foi diferente, vivi o outro lado, tive que ralar, passar perrengue, pegar ônibus lotado e andar pelo subúrbio. Eu costumo dizer que só conhecemos um local de verdade quando vivemos a mesma rotina dos seus moradores. Essa experiência fez eu enxergar os problemas que eles enfrentam, percebi coisas que das outras vezes que estive na cidade não havia notado. No dia a dia, conheci um pessoal “porreta” que arregaça a manga e vai para cima, trabalha duro e se quer tem tempo de ir para a praia.



Eu sempre pensei, que em mundo tão grande as pessoas não se conhecem por acaso, sempre existe um propósito. Sabe aquela história que o chão que você nasce te chama. Pois é, a Bahia, terra em que nasci, me chamou de volta. Dessa vez, para renascer para a vida. Algumas pessoas foram importantes para que isso acontecesse, como o Ricardo, que citei anteriormente, e a Paloma, irei falar sobre ela mais adiante.


Logo que cheguei, guardei minha mochila e fui procurar um emprego. O Ricardo tinha contato com a gerente do restaurante Beach Stop. Ele me indicou e acabei trabalhando lá durante um mês, servindo os clientes na piscina do hotel, bem na época do Carnaval.


Em virtude dessa festa, a cidade começava a ficar lotada, a folia já tomava conta das ruas, e eu trabalhando duro para atender os viajantes que chegavam de toda parte do Brasil e do mundo. Nas ruas era notável que a maioria das pessoas eram de fora. Já os moradores locais, em sua grande maioria, preferem viajar para outras cidades.


Apesar da correria no restaurante, arrumei um tempinho para curtir o maior evento de Salvador. O Diego, primo do Ricardo, veio de São Paulo para a folia e me arrumou um ingresso VIP para o camarote da Revista Contigo. Aceitei o convite, mesmo sabendo que seria duro amanhecer na farra e ir trabalhar no mesmo dia, pois não podia perder a oportunidade de curtir mais um Carnaval. Continuarei falando sobre a festa na próxima matéria.



O Carnaval acabou, mas a minha rotina não, segui firme e forte trabalhando. Ressalto que a minha experiência no Beach Stop foi muita significante, aprendi muita coisa. Os clientes me chamavam de paulista e gostavam da forma como eu atendia. Todos os dias eu ia trabalhar e voltava para a casa caminhando pela orla da praia, refletindo sobre a vida e fazendo novos planos.

Essa rotina intensa e estar próximo do povo soteropolitano me fez esquecer um pouco dos problemas gerados pela perda do meu pai, aliado ao tempo que ficava vendo o mar, sozinho, refletindo. Eram muitas reflexões, desconstruções de muita coisa que tinha vivido e um olhar para frente, porque a vida segue. Percebi que o que mais me preenchia era isso, viver realidades diferentes, conhecer novas pessoas e estar imerso em outras culturas.


Ajudar minimizou a minha a dor


Na época da Páscoa, tive a oportunidade de trabalhar, temporariamente, em uma filial da mesma empresa que trabalhava em São Paulo. Foi trabalhando lá que conheci a Paloma. Tínhamos uma amizade legal, mas um certo dia percebi que ela estava aflita e perguntei o que estava acontecendo. Ela me contou que seu pai estava com câncer na próstata.


Quando ouvi sua história, descobri o porquê estava ali. Ajudar essa amiga começou a dar um novo sentido para a minha vida, apesar de ser extremamente difícil ver ela triste. Já não me sentia mais um inútil, um incompetente como as pessoas um dia fizeram me sentir. Eu estava cada vez mais vivo e ciente que precisava recomeçar. Muitas vezes a Paloma perguntava sobre meu pai, as vezes nem eu tinha resposta, mas aos poucos, fui começando a encontrar. Essas questões que ela fazia sempre mexiam comigo, fazia eu lidar com uma série de sentimentos que estavam guardados.


Existem momentos na nossa vida que ficam sem explicação, e é assim que ficamos quando perdemos uma pessoa que amamos, procuramos resposta imediatas, mas elas não vêm. Infelizmente, depois que eu já estava em São Paulo, recebi a triste notícia que o pai dela faleceu.


O tempo passou e precisava ir embora de Salvador, porém foi difícil. Tinha feito amigos e arrumado casa perto da praia, era tudo que eu queria, só que eu não podia mais ficar. Me despedi de lá com lágrimas nos olhos, mas algo muito especial me esperava em São Paulo.


Assim que voltei, arrumei outro emprego de promotor de vendas. Ainda estava cheio de dívidas, mas isso já não me preocupava mais. Depois do que vivi na viagem, eu me sentia útil novamente, já não tinha mais vergonha de ser quem eu era e nem da profissão que exercia. Eu fui trabalhar em um horário que eu não gosto, porém foi trabalhando nesse horário que conheci a Bruna e depois de um tempo, eu me casei com ela.


Os anos se passaram, e eu nunca mais fui a Salvador, mas pretendo voltar logo e matar a saudade dessa terra e dos amigos. Também não vi mais a Paloma, mas um dia eu recebi uma mensagem que me deixou muito feliz, ela tinha sido promovida e me agradeceu por ter lhe ajudado.


Eu renasci para a vida, e ajudar amenizou minha dor. Hoje entendo que meu pai cumpriu sua missão e ter passado por essa situação me fez ficar mais forte. Falar sobre depressão é muito delicado, não sou especialista no assunto, e seria irresponsável dizer que a viagem pode curar a doença. Entretanto, no meu caso, fatores como ficar perto do mar me ajudaram nesse processo.


Nada vai eliminar a dor que alma sente, mas viajar ajuda muito, é um ato de renovação, e isso me faz lembrar da música do Raul Seixas: “Tente Outra Vez”. Renasça e tente outra vez, tente encontrar aquilo que te faz bem.





ALEX FREITAS

Criador, produtor de conteúdo e administrador do portal Mochilão Pé na Estrada. Um viajante nato, amante da fotografia, está sempre em busca do desconhecido e de um contato mais próximo com a cultura de cada lugar.



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